Algum tempo atrás eu lia sobre o coronavírus com menos sentimentos do que sobre a guerra síria ou a situação caótica venezuelana. Não que eu seja uma pessoa altamente informada, mas uma eventual olhada num jornal e a chuva de informações nas redes sociais já me mostravam que o carnaval seria um risco que o governo brasileiro iria correr com a possibilidade do vírus vir para essa nossa terrinha.
Tudo parecia muito distante e inalcançável, sem que pudéssemos fazer algo pra mudar, e vivíamos nesse "business as usual" que aparece no Plague (joguinho de espalhar doenças pelo mundo), antes dos países começarem a sofrer os efeitos da praga que você está controlando. O carnaval passou e as coisas continuavam distantes e comuns, víamos no jornal os efeitos ao redor do mundo, pessoas isoladas em cruzeiros, pessoas morrendo, calamidade. Mas é aquele sentimento de afastamento que conservamos pra conseguir lidar com o dia a dia que prevalecia, talvez seja algo maior que isso, uma falta de caso e um desânimo, perda de esperanças na política e na mudança das coisas... Enfim. O vírus aportou em terra brasilis e nos foi dito que era apenas uma histeria midiática. Nosso presidente que se recusou a tomar medidas de prevenção, fechou os olhos enquanto a peste se espalhava pelo país. Não estou aqui só pra evidenciar os atos irresponsáveis dele, mas não custa falar de como isso se refletiu na calmaria antes da tempestade na população que não percebia o que estava por vir, e ainda não percebe, diga-se de passagem.
Certo dia estavam os alunos conversando sobre a necessidade de suspender as aulas. Alguns, como eu, acreditavam que sim devido a possibilidade de o vírus já estar se propagando sem diagnóstico em nosso meio. Outros acreditavam que pela falta de casos confirmados não havia necessidade, falavam sobre não atrasar o calendário. É engraçado, estamos tão acostumados a priorizar certas coisas que automatizamos isso. O que parece mais importante? Atrasar o ano letivo e o diploma ou correr o risco de matar alguns/muitos desses alunos? Enfim, isso foi a noite. Na manhã seguinte o primeiro caso tinha sido confirmado na região. A faculdade suspendeu as aulas, e eu, interiorana, antes mesmo do anúncio oficial estava de passagem comprada pra casa. Nunca que iria passar uma situação tão terrível e imprevisível longe da minha família. Amanheci pensando nos trabalhos pra entregar e fui dormir sob outro teto, pensando quanto tempo isso duraria.
Já não posso sair de casa, se precisar tenho que me limpar antes mesmo de entrar, não posso encostar em nada antes de tomar banho. Tudo que vem de fora tem que ser ensaboado, meu pai que trabalha acaba de ser isolado em um cômodo da casa por ser o mais provável membro a contrair o vírus.
Nossa família se preocupa com o isolamento, com a possível doença, se alguém ficar mal, vai ter vaga em hospital pra se tratar? Nos preocupamos com os que tem a saúde debilitada. Mas apesar de tudo, acreditamos poder passar por isso. E quem não pode?
Os trabalhadores informais, desempregados, quem não tem dinheiro pra comer no dia seguinte. A gente aqui pensa se é possível haver desabastecimento, se vai haver corte de luz ou água, se os serviços básicos ainda vão ser acessíveis. Tem gente que nunca teve acesso e que nessas condições corre um risco absurdo de morrer. Sai nos jornais que tem quem não possa lavar as mãos em casa. Na rua tem gente sem casa. Nossa política já falhava lá, agora além de sofrer essas pessoas vão morrer. E o que podemos fazer sobre?
Alguns alienados não respeitam o isolamento. Fazem churrasco, turistas lotam as praias, adolescentes fazem rolezinho, gente conhece gente, não se preocupam, ficam na calçada alheia bebendo ao invés de se trancar em casa (muito específico? talvez). Por que essas pessoas não acreditam no vírus? E pior, quem pode fazer isso não vai sofrer as consequências. É gente saudável e em muitos casos com boa condição. Mas ao redor deles, quantos existem que podem se contaminar?
O carinha que vende milho, a mãe que vende pratinho, o entregador de água e claro, os que estão na linha de frente em hospitais, quanto risco estão correndo sem ter a escolha de ficar confortavelmente em casa esperando essa crise humana passar?
Se não temos política pro antes e pro durante, o que vai ser do nosso depois? A previsão é que sejam milhares de mortos em nosso país, que a vacina só chegue na "segunda onda", daqui a dois ou cinco anos. É uma canetada na certidão de óbito de quem? E dada por quem?
O vírus evidenciou as falhas que temos no nosso país de desgoverno, de desmonte da saúde e educação, mas principalmente a falha do cidadão-comum-de-bem que colocou o desgoverno lá, que apoia e que não tem um pingo de preocupação consigo e os outros.
E o que será de nós?
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