sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Curtas 2 - [ainda sem título]

 Nem bem as aulas voltaram, eu recordei o quanto eu não suporto a burocracia e a violência da cidade. 

Acabamos de nos mudar mais pra lá, e eu precisava pegar o trem pra ir a aula. Saí de casa quase ao meio dia, sabendo que poderia me atrasar, e apressei o passo até a estação.

Nem bem chegara na praça quando vi minha tia. Estranho que estivesse ali uma hora dessas. Ela se acotovelava com a multidão pra sair da estação, e me interceptou sob o sol escaldante pra perguntar se conhecia uma tal de Magda. Não conhecia. Sacou uma carteirinha e me mostrou, alguém havia perdido. Por ser uma menina aparentemente nova e estudante achei que teria mais chances de encontrá-la, e segui viagem com mais essa atribuição. Passei pelo mar de gente e me dirigi aos caixas de passe único, pois o meu tinha sido invalidado e não tivera tempo de resolver ainda. Isso significava pegar a fila comum, e enorme, ao invés de ir esperar o trem. 

Olhei desejosa a plataforma apinhada de gente, tentando ouvir por entre os ruídos da cidade o som característico e forte do trem. Devia estar perto de passar. 

Torcendo para que a espera fosse pouca, passei pelos caixas de autoatendimento que pareciam gritar pra mim. Com a visão embotada cheguei até a fila que, de tão grande, mal me deixava ver os caixas, e sentei ao lado de um senhor corpulento e suado com uniforme de vigia. Lembrei de uma conversa que me disseram antes de sair de casa, nem precisei perguntar pra que o homem puxasse assunto confirmando. Os vigias agora saíam as oito e meia da noite, deixando as estações vulneráveis  a partir desse momento. Eu ignorava os motivos pra tal decisão e nem me ocorreu perguntar até quando isso se manteria, tampouco que alguns dos meus horários eram a noite, e que isso seria mais um problema para resolver. 

A tarde chegou enquanto eu batucava o cartão perdido. Quem sabe deixando à mostra alguém não reconhecesse... Resistia a vontade de pegar o celular pois não queria tirá-lo da bolsa num lugar tão cheio e tão público. Um funcionário destacou da fila as pessoas de uma certa localidade que tinha agora uma legislação diferente. O tempo se arrastava.

As três da tarde eu levantei e andei até o início da fila. Queria saber que diabo estava acontecendo pra tanta demora em emitir alguns cartões. Para minha surpresa a fila terminava em uma cortina, e por trás dela uma sala de família sediava um culto vespertino. 

Indignei-me. Mas mantendo todo o respeito questionei o porque da pausa nos atendimentos. O líder que conduzia o culto, escandalizado pela interrupção como a senhorinha atrás dele, me disse que continuariam assim que terminassem a cerimônia. Isso deveria ser por volta das quatro da tarde. 

De mãos atadas saí da estação. Inicialmente torcendo para encontrar na memória uma alternativa aquele horário, mas lembrando que já pouco adiantaria chegar, e ainda mais do risco de vir de volta, redirecionei minha busca para um mercado onde pudesse comprar logo o jantar. 





2 comentários:

  1. Com aflição e deslumbre pela viva descrição dos sentidos, reli várias vezes. Parabéns pelo texto

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