quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Curtas 14 - Reflexões cotidianas antes de dormir.

De repente a infância parece muito distante. E as memórias que me compõem se tornaram lembranças em terceira pessoa.

É por isso que a vida não pode ser descrita em palavras. Porque ela contém tudo aquilo que já foi, mas também o que virá.

Mal compreendemos o que se passou, já não acessamos conscientemente o quanto isso faz parte de nós. Não somos capazes de, num cálculo rápido, dizer quanto de cada registro se dissipou ou se alastrou pelo nosso ser.

E logo se vê:  não somos capazes de compreender o que virá, porque ainda não veio.

Usamos as palavras para definir o devir, o inesperado, o cotidiano, a passagem do tempo. Mas cada coisa dessas combinada e sentida é arte pra além das palavras e dos búzios. 

Acho que foi Solange Roza quem disse, mas posso estar enganada:

"A essência de ser, é fazer. Acontecer, no entanto, é a essência do encanto."

Coisas como a vida e a morte são grandiosas nas telas e nos textos, mas existem. 

E por existirem não são menos grandiosas, mas de tal modo arrebatadoras e empoeiradas, que nos desafiam a descobrir seus propósitos numa madrugada de terça pra quarta feira, onde tudo parece como sempre esteve, e eu penso em significados ocultos. 

Busco me reconectar com a realidade antes que seja tarde demais. Antes que esse quarto um dia vire lembrança, sombra, ou pior... Desejo daquilo tudo que não fiz. Da fantasia não vivida. 

Se permanece fantasia me arrependo. Guardada na memória como um desejo vago.

E os desejos vagos, arrependimentos, me impelem a arriscar. A controlar um pouco mais o músculo que age.

Mas mal nenhum me faz quando confrontada com a realidade. 

Na coleção de lembranças que um dia foram fantasias e depois foram realidades eu vejo o que tem de mais bonito em mim. 

A coragem de falar com aquele cara misterioso com a unha pintada de preto, que todo mundo tinha medo.

A felicidade de passar na faculdade, e ligar pra mãe no meio da noite dizendo que não é questão de paciência porque eu passei. (Tem algo de um filme que gosto nisso.)

O prazer de ter fotos em que me sinto linda.

As primeiras vezes, e as segundas vezes que pareciam primeiras. 

Memórias que eu guardo e resgato, mastigo e acarinho. Memórias de quando ser corajosa parecia mais natural, e viver parecia mais simples. Ou eu só não tinha pensado sobre isso ainda.

Poderia esticar a conversa, mas estava prestes a entrar num papo de impressões e sentidos que só existem na minha cabeça e nem eu entendo muito bem, e de qualquer forma já ficou muito tarde e eu acordo cedo amanhã. 

Não sei porque me vem na mente agora a imagem de uma menina que eu não gosto.

Isso não é um tipo de indireta sobre mim mesma, é realmente uma pessoa que eu não gosto e agora estou vendo o rosto dela. Pelo menos é um rosto agradável.

Definitivamente passei da hora de dormir.






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