sábado, 27 de janeiro de 2024

Daqui a dez anos eu espero estar mais confortável.

Dentre as falas clássicas do meu pai está "Como será que a gente vai estar daqui a dez anos?". A resposta em geral sugere um futuro de esperança em meio ao caos político/social/econômico/tecnológico. Às vezes busca explorar marcos da vida dos familiares. 
Hoje, sentada de frente ao computador olhando fotos antigas, pensei: nessa época eu não me imaginava de frente pra um computador. Mas, daqui a dez anos, neste dia e neste horário, (quarta-feira, 25 de janeiro de 2034, próximo às uma da tarde) provavelmente eu estarei sentada de frente pra uma tela.
Pode ser a tela de um celular transparente e flexível, de um computador que rode The Sims 4 no ultra, do meu ambiente de trabalho ou estudo... Mas em algum momento deste dia em dez anos eu estarei de frente a uma tela, como estou hoje e já estive tantas vezes no passado. 
E ainda lembrarei dos programas de digitação que travavam em 2006, lembrarei dos textos que escrevi no blog em outras fases, lembrarei do wordart e dos arquivos do rpg no word digital. Lembrarei das montagens de foto no powerpoint, das contas no excel que até hoje não domino, dos trabalhos escolares no publisher. Lembrarei dos confortos e sustos nos emails, das correntes, dos spams, das retrospectivas. Lembrarei dos jogos, dos emuladores, dos pen drives, dvds e disquetes.
Daqui a dez anos, mexendo na minha tela, usarei o que aprendo hoje, e a memória do conhecimento adquirido puxará a história, puxará o momento em que aprendi, e reverberará vislumbres da minha vida. Saberei mais, e precisarei do que tenho sabido. E ainda vou ser uma menina com medo de me expor demais na internet, de perder meus arquivos, de baixar vírus. 
 
Daqui a dez anos, quanto tempo eu terei passado da minha vida como nas fotos que estava vendo? Sorrindo com a família na varanda de casa, meu irmão banhando no quintal, meus pais sentados embaixo do coqueiro. Eu cheia de mugango e toda posista. É bom relembrar pelas fotos. O bom para saber que fui feliz, o ruim pra saber que sou mais feliz hoje. Mais insegura também.
Eu tenho tirado menos fotos. Isso é bom porque eu me exponho menos, porque eu passo mais tempo aproveitando minhas companhias que posando pra fotos. 
Eu tenho tirado menos fotos. Isso é ruim porque eu tenho menos registros da minha beleza e das minhas mudanças, menos conteúdo pra postar, e menos lembranças. Minha memória não basta. E meu celular tem uma câmera ruim.
Principalmente, quantos momentos para fotos eu tenho tido? Quando viajei para São Paulo em 2021 quase todo lugar e look mereciam uma foto. Mas aqui na minha cidadezinha não merecem? Eu me visto pra quem? E pra onde eu vou? Eu não tenho aproveitado a minha cidade, e mesmo no meu quarto existe material pra lembrar, por estética e por memória. E eu não tenho produzido conteúdo disso. 
No fim, eu terei gastado tanto tempo em telas, que daqui a dez anos terei mais prints que fotos minhas, pois já não vivo tanto lá fora. É esse futuro que quero?
Não. Eu quero um futuro em que eu tenho fotos espontâneas e fotos montadas de momentos importantes pra mim. Eu quero uma rotina gostosa e mágica. E quando estiver vivendo, talvez ela seja menos mágica. A praia, a duna, o mato, a estrada de terra, os passarinhos cruzando veredas, as minhas amizades e nossos momentos. A minha intimidade, o medo, e as minhas liberdades. Não dá pra fotografar tudo, mas dá pra escrever. 
 
Eu necessito viver. Necessito fazer do meu tempo de tela algo valoroso, necessito viver mais longe delas, explorar o que resta do mundo, como diz O Rappa: o que sobrou do céu.
As pessoas se lembram do que chamam de magia da infância. Eu quero resgatar isso pra mim. Quão mágico pode ser meu dia a dia mesmo consciente? A arte parece essencial para o caminho. Um choque anafilático pra entreter, pra acordar, ambos. A música, a exposição interativa, o filme, o livro, o teatro, o poema. Me dão motivos para chegar ao fim do dia e me revigoram. Mas não quero viver só de arte porque ela é outra tela. Outro portal pra longe da vida. 
A vida só é vida de verdade quando é ordinária? Eu estou vivendo menos quando trabalho pensamentos de narrativa sobre os fatos do meu passado? Eu estou vivendo menos quando penso sobre o que fazer e filtros se sobrepõe no meu pensamento me fazendo sentir diferente por eles e não pelo que vou fazer? Eu estou vivendo menos quando me perco em pensamentos? Eu estou simplesmente ficando louca?
 
Me parece que todos os acontecimentos da vida são interpretados por narrativas modelo na minha cabeça. Existem momentos em que eu me sinto segura como nas histórias que eu lia na infância. O mundo parece um grande bairro do limoeiro que eu posso atravessar carregando meu lençol no meio da madrugada, até chegar na casa da Mônica. Ou então, como num sonho, ou nos filmes do Miyazaki, o mar parece cheio de magia, mistério e luz, como natal. Tudo se mistura. As impressões se misturam e se tornam sentimentos. 
Existe um outro conjunto de sentimentos, negativos, que se forma com frequência na minha mente. Amplamente visitado nos textos anteriores, é baseado em narrativas obscuras e experiências de solidão, e na cidade,,, profundamente representado pela cidade. 
E às vezes parece que a narrativa da cidade, a narrativa ruim, decadente e solitária, é a realidade. Acho que muita gente acredita nisso. Tal hora é isso mesmo. Mas não todas as horas... Existe realidade nisso, e embora me pareça ser a totalidade da realidade de alguns moradores da cidade, não é a minha. É só mais uma lente-narrativa-sentimento. Se sentir parte dessas narrativas afeta todo o resto.
Encaixo passado e futuro em narrativas várias, para além destas duas. O presente onde se encontra? Não pertenço a nenhuma linha narrativa sólida, nem a lugar algum, completamente. E quando vivo é tudo diferente, vivo e narro, narro e vivo. Narro diferente, esqueço a realidade. Esqueço que enquanto disparava pelas ruas de uma cidade litorânea, sozinha ou acompanhada, como protagonista de uma aventura; eu passava tanto tempo com medo, nessa mesma cidade que mesmo com toda a poesia não era capaz de me proteger da minha mente. Eu chorava de medo, chorava de coração partido. A vida nunca foi perfeita como parece hoje. Mas, quantos momentos de contemplação e lucidez que sei que existiram foram confinados no tempo passado?
Eu costumava olhar momentos assim e pensar que no futuro eu lembraria deles. Esqueci todos. Guardo-os para mim agora. Para mim de hoje. Na conta no dia do juízo deve servir pra alguma coisa. E antes disso, nos hábitos a gente manifesta o que a memória esconde.

Fim do ano passado vi algo sobre a passagem do tempo. Que ao dizer que eu ainda devo ter uns sessenta anos de vida, isso parece muito. Mas ao dizer que só me restam sessenta verões, isso bate de uma forma diferente. Pensei: e se me restam apenas sessenta viradas de ano?
Só mais sessenta festas de aniversário, se eu fizer todas. Só mais catorze copas do mundo. Quantas chuvas de meteoro? Eu nunca consegui assistir a nenhuma. Quantos eventos com meus avós? Com meus pais? E com meus irmãos? ("a gente só tem essa vida" foi o que ela me disse).
Já devo ter escrito, não sei se está publicado, sobre o tempo que ainda tenho com as pessoas. A tendência é viver menos com a família e mais sozinha ou com outros ciclos. Quantas horas eu ainda tenho de convivência com meus pais? E em quantas eu estarei no mesmo cômodo que eles, e consciente ao invés de ligada no automático ou perdida dentro da minha mente? 
Na juventude a velhice alheia nos alerta pra finitude da vida, antes da nossa. Eu não me preocupava tanto com o passar dos anos na faculdade ou em comparecer a todas as chances que tinha de ver meus amigos. Mas quanto mais eu penso, mais o tempo urge. 
Houve esse pensamento, que meu tio quem falou, a respeito dos anos que ainda temos com as pessoas. O outro, sobre quantos anos ainda temos, se olhamos em marcos. E há um terceiro, aquela famosa frase "um dia você se despediu dos seus amigos com quem brincava pela última vez, e nenhum de vocês se deu conta disso"; ou a versão moderna, o print de uma conversa de dois amigos se despedindo por um chat qualquer, e marcando de jogar no dia seguinte, tirado anos depois.
Existe uma pessoa que, especialmente, me assusta muito a ideia de ter as últimas palavras ou os últimos momentos. Ela me falou sobre a agonia de sentir que tem pouco tempo comigo. Tempo de vida. Na ocasião respondi que não podemos condicionar nossos eus futuro aos anseios presentes, especialmente quando eles podem ser resolvidos no presente. É o que diz Rita Lee: que espaço meu passado deixa pra quem eu sou hoje? Não sou escrava dele. 
 
Nada nunca parece suficiente, completo. Tudo é agridoce e tudo é confuso. As pessoas nunca parecem próximas o suficiente. De modo geral, acho que não gosto de ninguém realmente. Não sou capaz de sentir saudades, não sou muito leal nem cuidadosa. E cada dia mais me descubro pior. Menos empática, maios egoísta, mais maldosa, mais indiferente. Eu nunca sinto que meu afeto é suficiente ou verdadeiro, parece quase um papel interpretado (às vezes é necessário ser). Apesar de que eu queria ter mais a oferecer pras pessoas importantes pra mim. Eu queria sentir mais, e queria ser espontaneamente mais doce, mais carinhosa, mais emocionada, mais empática, mais devotada, mais responsável. 
Mas é isso que eu tenho e já é bom o suficiente. Não vou perder tempo podendo ter pelo menos um tanto de felicidade... E podendo fazer muita gente feliz, parafraseando a Rita outra vez. É isso que eu tenho e eu posso aproveitar antes que acabe. A sorte absurda que eu tive com as pessoas que me cercam e que são... Tão mal aproveitadas. O meu lugar, as minhas pessoas, as minhas oportunidades. Tudo que me cerca me parece excepcional. E eu sou tipo o buraco negro no centro do universo kkkkkkkkkkkkkkk.
 
Passei numa rua que eu frequentava e tem uma placa escrita 2022. Já devo ter falado dela, não sei... Em 2021 eu achava que a placa indicava uma cápsula do tempo que seria aberta (porque é uma placa estilizada). Mas não, era só o número do imóvel. Passei lá esse ano, já faziam três anos... até mais. Muita coisa mudou nesse período, e outras muito importantes ficaram quase iguais. Eu sinto que levo minha vida meio limbosa. Esses últimos anos foram intercalando limbos, dores, contemplações e momentos bons compartilhados. Mas sozinha, eu vivi muito um limbo. Um limbo que nem hoje, tentando começar algo.
Três, quatro, cinco anos passaram feito água. A pandemia ajudou a quebrar as noções, mas pensar me permite optar por desacelerar. Eu quero que esse ano dure muito. Nossa, eu quero que 2024 seja quase inacabável (que nem esse texto, que estou montando a duas horas), eu quero que seja lento, não extenuante, mas intenso e calmo. Eu quero estar acordada enquanto vivo meu ano. Não de frente pra uma tela enquanto as horas passam pela janela. Mas hoje já é quase o fim de janeiro, e ele tem passado rápido demais. Não passe por favor, se demore. 
 
Outro pensamento daqueles comuns que mencionei: que de tanto torcer pra atividade, pro dia, pra semana acabar. A gente torce pra vida acabar. E falando isso de forma pessoal, eu quero lidar melhor com os meus desconfortos, pra poder solucionar uns, e simplesmente aprender a lidar com outros. Ficar mais forte. 
É preciso reconhecer e aceitar para não ser limbosa. Reconhecer a rotina, a morada, as relações. Sinto tudo isso como passagem, sou Humpty Dumpty em cima do muro pronta para cair, mas não caio em lugar nenhum, estou passando. Não pertencer o suficiente me agonia, me insegura me incerteza me vazia me assusta me deixa mal. E tenho medo de pertencer, porque pertencer prenuncia a dor da perda. Reconhecer o que tenho e aceitar para entender. E entender para poder mudar, ou nem. Eis uma forma interessante de reconhecer: pensar, como descreverei esse momento daqui a dez anos?
Entretanto, reconhecer é entregar as pontas. Necessário, mas dói sair do que poderia ser e sentir de novo o baque de ser ordinária. Tem um engasgo em aceitar as coisas como são, porque elas estão me incomodando de alguma maneira. Nunca é suficiente.
Usando a quinta e última menção a uma ideia comum no instagram: tem aquela história do cara que se mudou pra morar com a amiga por alguns meses e reformou o quarto pra ficar a cara dele. (ler com voz cansada pra fazer um charme) É sobre isso sabe? Tudo é passagem e nem por isso deixa de ser real ou importante. O período de passagem não é vida também? E é enorme. Eu vivo na passagem, eu pinto em cima do muro, eu pertenço aos dois lados.

Estava dizendo ao meu irmão mais cedo que o desconforto com certa situação é pessoal. Meu pai, eu e ele, encontramos na mesma situação dificuldades diferentes. Penso que somos criativos pra isso. Os desconfortos da vida começam na dúvida e se estendem até cada pequeno poro e ponto no corpo. Quando quero ser uma força da natureza e conseguir algo, na décima segunda badalada, em ar de ir, eu consigo. E o que vier é bom, até falhar. Porque eu tentei e, afinal, nem tinha tempo. 
Mas pensar em fazer com calma, decidir, tentar e correr o risco de falhar sem desculpa alguma, é desconfortável pra mim. E como tem sido nos últimos anos, isso eu descobri sobre mim essa semana. Fazer terapia é tipo uma raspadinha premiada da própria vida.
Organizando um álbum outro dia, decidi que quero voltar a ter álbuns de fotos, me ocorre que eles podem ser virtuais também, mas quero fotos físicas, guardadas, como eram antes. Pra mim, pra mostrar, pra decidir e eternizar momentos que julgo importantes. Pra ter foto e memória é preciso ter vida. E agora eu preciso ir pra ter uma janelinha por onde olhar daqui a dez anos. Talvez eu coloque alguns prints também. 
 
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nota: nesse tipo de texto, eu costumo juntar diversas ideias que tem me ocorrido. a medida em que elas são resgatadas eu as anoto embaixo do texto para organizar e puxar seus fios no parágrafo certo. eis o print de uma dessas anotações, porque achei engraçado o modo como organizo minhas pautas:
 
 
 de 25 a 27 de janeiro de 2024.

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