quinta-feira, 23 de abril de 2020

Sensações I

Existe uma série de sensações que podem ser experimentadas durante a vida. Uma das sensações que eu gosto é a de dormir durante a tarde e acordar pela noite, ou no fim da tarde, com a casa toda arrumadinha, e as pessoas da casa vivendo a vida delas. É como desligar um pouco do mundo e voltar pra ele, sentindo, nessa volta, muito mais aconchego e acolhimento. Ao mesmo tempo sentir uma leve corrente de ar que indica a noite se aproximando após os últimos raios de sol partirem, e junto com essa corrente, um afastamento. Tudo parece novo e estranho, e gostoso. O sono pode deixar marquinhas na gente como um amassado do lençol e enquanto você vai caminhando pela casa vai se adaptando a essa nova realidade que você lembra que gosta de estar.

As sensações de ficar acordado durante a noite, por outro lado, não são tão prazerosas quanto poderiam. Bem, depende do lugar, depende da noite. Outra noite tentei mas não conseguia dormir. Não é a primeira vez que me acontece: dormir mas acordar no sonho no mesmo lugar onde você estava, sem nem reparar a passagem. E o sonho se desenrola preso, conturbado. O corpo não funciona como deveria, está travado, pesado. O medo de que algo vai acontecer (às vezes acontece) é constante. Essa é uma das sensações que podem vir da noite mal-dormida. A sensação seguida do acontecimento que é o sonho "lúcido" que na real você não identifica como sonho.  Pode demorar várias camadas de descobertas até conseguir acordar. Paralisia, realidade alterada. Quanto mais próximo da realidade o sonho, mais assustadoras as questões que ele desperta.
Alguns meses atrás contei aos meus amigos que vez ou outra me ocorre o pensamento de que na verdade eu já morri, e estou no inferno. Que num estalar de dedos o mundo a minha volta vai se derreter em assombrações e pesadelos sem fim. Não que eu leve essa ideia a sério, mas eu me pergunto que tipo de peças meu sonho poderia pregar na minha mente usando uma narrativa assim.
Dentro do sonho, apesar dos indícios de irrealidade, você está a mercê das forças que te cercam. Forças que me parecem instáveis demais pra controlar.

Poderia discorrer bem mais sobre meus sonhos, diferente do que possa parecer eles são em sua maioria bons e interessantes. Alguns eu nunca esqueci, guardo a mais de dez anos. Mas eles são assuntos pra outro post. Prosseguimos.

Algumas noites trazem sensações muito deliciosas, de aconchego, de descoberta e aventura. Virei algumas noites lendo livros, nem todas prazerosas, algumas por necessidade, mas lembro-me da deliciosa experiência que é escolher algo para ler antes de dormir e terminar a última página, aquela em que diz o material do papel e o local de impressão, com o céu que clareia e ameaça despontar com tentáculos dourados de luz solar. A sensação é de leve aflição, mas também felicidade. O sono perdeu lugar mas a noite não foi perdida.

Outras noites são tristes. Eu dificilmente vou dormir triste, e se vou, geralmente são esses assuntos do coração e da mente que exigem a nossa atenção e bebem das gotinhas salgadas que derramamos enquanto o sono observa de longe. Nessas noites ele demora a vir, agonia. Fico encostada na parede remoendo e criticando, crio diálogos inteiros, mil e uma situações. Mas nada disso resolve. As noites tristes, pelo menos até hoje, foram resultado da falta de coragem (de valentia mas também de ânimo) para resolver as coisas que não podem mais ser adiadas.

Algumas noites são quentinhas e fofas embaixo de um lençol, podem ser longas com um parceiro pra uma boa conversa, um filme, um grupo de amigas. Mas podem ser curtas e leves, onde você fecha os olhos e desliza para os recantos do pensamento que se torce e se embola. Se você desperta antes de dormir percebe os nozinhos que a mente estava amarrando pra te pôr enfeitiçado. O sono é uma coisa incrível, pode ser leve e profundo e curto e bom, ou tudo ao contrário. Pode te descansar, deve, em regra; e pode te fazer acordar abatido, destruído, socado na cara. Te põe quase imóvel durante umas oito horas ou mais e é misterioso. Todos os seres humanos dormem todos os dias e até hoje quem poderá dizer que compreende bem seu sono?

Mas esse deveria ser um post sobre sensações, e não sobre a noite e o sono. É que durante a noite, com o relaxamento do corpo e da vida cotidiana, com o mundo mergulhado nas trevas apesar das luzes dos postes, e apesar da luz das estrelas, parece que a gente sente mais tudo que tem pra sentir.

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