quarta-feira, 15 de abril de 2020

Músicas são cápsulas.

O principal problema de escrever sobre pensamentos é que nem sempre você está na vibe, ou seja, disposta a pensar sobre eles. Às vezes dói, frustra e te deixa chateado... Outras só é um saco. Às vezes você quer deixar pra escrever quando estiver mais sensível, ou informada ou afinada. Mas se os pensamentos não são escritos, alguns deles, somem como uma boa ideia desperdiçada, ou te fazem dar voltas e voltas batendo na sua cabecinha e uns nos outros, em conflito, dizendo que se um está certo o outro não pode estar.

Então, pra começar, eu pensei em falar de um pensamento simples: músicas são cápsulas.
Não conheço muito de medicina, demorei muito pra saber o que era um supositório e acabo mesmo de esquecer. Mas é de comum conhecimento que os remédios vem dentro de cápsulas, eles trazem substâncias que a gente não entende muito bem do que são feitas mas nos fazem bem... Ou mal.

As músicas são cápsulas de emoções. Se existe teletransporte ele está encapsulado dentro de uma canção, com certeza. Certas vezes ela por si não basta, é preciso um volume certo, um arranjo, um ruído de pessoas passando, o abafado de uma porta trancada. É de experiência própria que falo do poder de uma música. Por algum tempo me sentia mal ao ouvir "Céu azul" pela leve aflição que me dava ao lembrar de antigas amizades. "Pillowtalk" combinado com "Malandramente", "Mama África", "Me lambe", "Vagabundo também ama" e "Olha só, moreno", e, principalmente "How deep is your love", são a fórmula pra me colocar de volta no banco de trás do carro da minha avó indo ver meu namorado pelas primeiras vezes. Vejo ele deitado ao meu lado olhando a janela e falando "e me aparece essa coisinha", com voz fofa, e lembro dos fios de poste e mato verde enquanto eu caía de sono voltando pra casa...

Por outro lado, "Heavy" é a música que me faz acordar em algum andar de um prédio frio numa cidade estranha ouvindo os carros na ladeira embaixo e o barulho de construção. Ponha "Blame", Everything Black", "We don't talk anymore", qualquer uma do Matuê e mais um punhado de músicas e terá meu ensino médio olhando para a janela do ônibus e decorando a paisagem durante três anos.

Foi nesse ônibus do ensino médio que eu descobri que as músicas não trazem apenas sensação emocional, das quais já falarei mais, mas também, em mim, física. Começou com o arrepio, não sei qual música. Mas um dia, ouvindo, salvo engano, "Tamo aí na atividade" senti, pela primeira vez, uma dormência e um calor que envolvia toda a parte de trás do meu crânio. Não é como um calafrio ao receber um beijo no pescoço, é como um entorpecimento. Nada além de música me trouxe essa sensação até hoje.

Me recordo que um professor certa vez me disse que quando ele interpretava um personagem no palco e, finalmente, o personagem vinha até ele além da interpretação, ele sentia um gancho na coluna. Imagino que seja uma sensação parecida de torpor, mas que dá prazer. Estaria eu sendo possuída pelas músicas?

As músicas ajudam a recordar momentos, e são uma forma simples de condensar as impressões dele. Alguns casais dizem "essa é nossa música", e isso significa que aquela música esteve em um momento importante da vida deles. A vida com trilha sonora vira mágica. Mas as músicas também podem suscitar emoções. Uma hora você está bem e na outra uma parte sua está vivendo um adolescente depressivo que anda de capuz e sofre bullying na escola. Bom, às vezes você é esse adolescente, ou dependendo do seu nível de entrega você, de repente, sei lá, sente como se realmente fosse. Mas, pensando de forma mais simples, uma música te faz ter vontade de participar de um assalto a banco (no caso o clipe de "False Alarm"), outra te faz querer se apaixonar por alguém como "Only Exception". Segundo alguns amigos que assistiram a live da Marília Mendonça, "até quem não é corno tá sofrendo". Cada um recebe a emoção de um jeito, como "Price Tag", que eu acho a cara de um diazinho de chuva lavando louça, e minha mãe acha a cara de uma baladinha, mas é inegável que ela afeta. Qualquer coisa na forma como esses alquimistas, os músicos, agrupam as notas, e resolvem encaixar uma letra junto, mexe com a gente baseado em lentes próprias que a gente tem de sentir o mundo e as impressões.

Já ouviu Enya e Era além dos memes? Meu pai escuta e por muito tempo eu me sentia mal ouvindo, porque a música parece querer te transportar pra um lugar muito fundo que eu definitivamente não queria ir! Também já ouvi pessoas falando que quando estão tristes escutam músicas mais tristes ainda pra curtir uma boa bad, não sei dizer se já fiz isso no sério.

E tem as mensagens. Aquelas que o Chester jogava nas músicas do Linkin Park e a galera diz que salvou da depressão. As mensagens do Stromae ou do Fábio Brazza (que é ritmo, mas também é poesia) que te fazem pensar na vida. Ou as músicas do Charlie Brown que são um combo de tudo junto. As mensagens narram, mas muitas vezes emocionam, revoltam, satisfazem a revolta. E isso tudo é bom, é um jeito de botar o corpo pra mexer, a mente pra sentir, pra pensar... Pra viver.

Tem até aquelas músicas, como as de electro swing ou Scorpions (dependendo da sua idade), que te fazem viver uma época que você nunca viveu (minha mãe ama essa frase), ou viveu na "idade errada". E se escutar muito um certo tipo, você começa a querer saber mais, história do lugar, sentido da letra, se for em outra língua, entender...

Não sei vocês, mas eu tenho músicas que evito ouvir pra não desvincular da memória que ela construiu, e que as vezes se enfraquecem, mas continuam ali, uma nota mental. Minhas playlists se renovam a mais ou menos cada dois anos, são ciclos que ficam marcados por um gosto meu e do mundo, registro histórico de fato.

Algumas músicas são tão boas pra aquele momento da sua vida que são um achado. Outras te fazem repetir uma, duas, três vezes, até enjoar. Claramente eu ouvindo "Phonesex" essa semana. Músicas podem ser como drogas as vezes, viciam. Ficam na sua cabeça presas. Te fazem agir de forma incomum...

Enfim, acho que empiricamente fica comprovado por A mais B que música é cápsula, correio, transporte, velocidade, mexida, arte. Talvez seja isso a arte, porque se aplica também ao cinema, a literatura, a dança... Comunica, critica, emociona e te marca, é isso.

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