O coração parece aprofundar as batidas, mas é só a percussão de alguma música popular rufando quase indistinguível num veículo ao longe. Passam motos barulhentas, passam gritos. Faz-se silêncio de vez em quando, exceto pela chuva que cai fraca e rememora algo. Levanta um cheiro de mormaço que nem deveria haver numa hora tão tardia. Um cheiro de marrom, verde e aquela cor desbotada de fundo de fotografia antiga, que conversa com a infância e com as memórias que preguiço pra lembrar, e existem ou não, de forma abençoada por ser essa mesma a casa que me remetia tanto acolhimento a onze anos atrás, e me remete tanta segurança agora, rompida apenas pelos barulhos e pelas notícias que adentram pelos 36 blocos na parede da cozinha ou pela luz embaçada das telhas de vidro.
Um grito aterrorizante se avoluma vindo de longe, mas são apenas pneus rodando na pista asfaltada cercada de mato e luar virando algumas esquinas.
Hoje é uma noite de neblina fraca. Mas em geral são apenas noites quentes, frias pra mim, que deixam espaço para os mais inexplicáveis e estranhos ruídos. Nem me refiro aos cachorros latindo na rua, ou aos gatos que viram e mexem nos telhados. Ou aqueles que fazem um musical desafinado no meio da noite, no amor ou na guerra. Me refiro aos seis galos, até onde pude contar, que carcarejam sempre as duas, as vezes mais cedo. Me refiro ao barulho de carro e porta sempre quase no mesmo horário da madrugada, e dos estalidos de vidro e alumínio. Os carros e as motos aparecem vez ou outra, e alguns até podem parar por qualquer razão especial. Ferrolhos escurecidos e camas que rangem permeiam o ar noturno, pequenos passos, uma carreira. O vento agora corre leve, mas tem dias que vem forte e se demora. Balança as folhas das árvores.
Um barulho agudo se ergue de qualquer lugar.
Hoje já não estão, mas ontem estavam uns moleques na rua de voz que antecipa a malandragem e estavam discutindo, rindo alto e chutando algo. Na noite silenciosa são perfeitamente audíveis. Algumas noites tem festas, e aí não se escuta nada.
Mas na mais profunda quietude, sempre se pode ouvir a sinfonia dos pequenos insetos. Um barulho constante, agudo e baixinho na frequência da atenção. São os pequenos grilos embaixo da pia, as formigas em seus formigueiros por trás das paredes, as baratas em nichos, as traças se arrastando por baixo de um móvel especialmente escuro e intocável. O vento, os bichos, os bichinhos, os carros nas pistas, as vozes, os barulhos. Tudo que não me assusta me faz sentir em casa.
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