segunda-feira, 3 de maio de 2021

Memórias do Vale do Curtume.

Como falei no post anterior a escola, a segunda escola em que estudei, por volta dos quatro e seis anos, merecia um espaço para si. Desde aquela época meus pais me deixavam escolher a escola em que queria estudar. Tinha o Vale do Curtume e a do Tio Patinhas. Não sei se era porque não me interessava por mickey ou se o brinquedo de rodar na entrada me conquistou, mas fiquei com a primeira opção. Tenho memórias valiosas daquela época. 
A escola era composta de dois prédios. Um deles era onde eu estudava, o infantil. Lá aprendi a escrever meu nome usando uma ficha de papel marrom onde ele estava escrito. Era o maior nome da sala e o único, até onde sei, que precisava de abreviação. A minha sala era uma das primeiras da escola. Ali vi no dia do meu aniversário uma colega escrevendo na minha agenda, perguntei o que era e ela desconversou, depois vi várias assinaturas me desejando feliz aniversário. Acredito que tenha essa agenda até hoje, embora não saiba dizer onde. Naquela sala, diz minha mãe, embora eu não me lembre, eu apontava os lápis de todos os colegas. Eu tinha uma professora maravilhosa que parecia mulher de filme com um cabelo pra cima. Essa professora me deixou ser a chapeuzinho vermelho no dia da apresentação, e o lobo mau era o filho dela, usei meu vestido vermelho com capuz. 
Depois da minha sala haviam outras, uma delas usávamos para ver filme. Depois tinha a cantina, lá eu ouvi a palavra "catinga" pela primeira vez e não fazia ideia do que era. Pertinho da cantina tinha a piscina e banheiros. Ali eu vi a menina menor que a gente que era brava e mordia todo mundo (eu ainda não sabia mas viria a me tornar alguém violenta alguns anos depois). Na beira da piscina vi uma lombriga, ou uma minhoca, uma vez. Mas pra mim era lombriga, toda esbranquiçada no chão molhado. 
Ainda na piscina, numa aula extraclasse em que fomos pra tomar banho (eu sempre me senti estranha com esse ar de piscina, nunca me acostumo) eu não entendia porque a professora dizia que eu era mimosa. Pra mim ser mimada era algo ruim, então lembro como fiquei confusa. 
Entre as salas e a cantina tinha a escada azul para o primeiro andar. Lembro bem dessa escada por dois motivos. É que o primeiro andar era onde ficavam as salas a partir da alfabetização, e no dia que entrei pra esse ano vi alguns meninos (acredito que o carinha que era meio bully) dizendo que eu não deveria subir as escadas e me lembro de alguém dizendo que minha série agora era lá. Uma dessas infladas de ego. 
Mas o segundo motivo é que eu queria subir essas escadas a muito tempo por causa do menino que eu gostava. Ele estava sempre uma série a frente de mim, era superdotado e a gente se dava bastante bem. Não lembro bem dele, mas lembro de quando subi ao primeiro andar, e uns meninos da alfabetização encurralaram nós dois no espacinho onde colocavam os produtos de limpeza. O líder do grupinho (o menino bully) era também sujeito de filme, enorme com os ombros largos, branco do cabelo liso e mal encarado. Disseram pra gente se beijar e eu jamais poderia esquecer do meu primeiro beijo. A forma como o sol entrava, talvez por cobogós, e iluminava aquele espacinho azul e apertado, e a forma como demos um primeiro beijo marmotoso, pode até ser esquecível com detalhes mas é inesquecível como ideia. 
Quando eu pude subir pro primeiro andar ele tinha sumido. Pulou uma série e estava estudando no prédio em frente, para o fundamental. Nunca mais o vi, exceto ano passado quando o encontrei no facebook. Não o reconheci, mal o reconheci pela foto antiga do jornal. Acho que algumas coisas ficam melhores como ideia. 
Aliás, lendo o jornal eu percebi que ele me deixou porque achava a série muito fácil, então eu comecei minha vida amorosa de um jeito bem engraçado, porque o primeiro cara que eu era afim me largou sem pensar duas vezes.
Ainda hoje estava me perguntando: Será que as pessoas pensam igual a mim? Será que elas se lembram as interações e as conversas que tivemos quando crianças? Parece que tudo se perde tão rápido... E olhe que eu esqueço coisa pra caramba. 
Pois bem, esse cara não era o único de quem eu gostava, embora fosse o único com quem eu tinha um lance. Tinha um menininho (até onde é ético eu dizer os nomes das pessoas aqui?) que eu achava bem bonito, e era do meu ano. Eu gostava tanto dele que queria o mesmo tênis da hotwheels que ele. Meus pais não compraram. Acho que quando tomei vacina e fiquei de cama vários dias por causa dos efeitos colaterais -- não podia mexer sequer um dedo porque o corpo inteiro doía --  ele foi um dos que também ficou. 
No pátio da escola, o pátio externo, era onde havia o mini parquinho. Eu tinha colegas bem patricinhas e elas se davam bem com uma menina de rabo de cavalo que andava com um menino baixinho. Todo mundo era meio legal e meio nojento, mas esses dois últimos eram mais nojentos mesmo. Lembro do menino baixinho se exibindo enquanto girava bem rápido o brinquedo onde estávamos, não sei como se chama, mas deve ser algo tipo, gira-gira ou roda-roda, hehe. Andar com essas meninas, como eu viria a descobrir, com a maioria das meninas de escola particular, é complicado. Um dia elas eram minhas amigas e no outro não, e eu não entendia. Foi com elas que aprendi a falar "hellôo" e "bunda". 
No pátio também haviam alguns eventos, no dia do circo eu fui a equilibrista e andei em cima de um cabo de vassoura na frente de toda a escola. 
Eu estava descobrindo o mundo, e na entrada conheci uma mulher chamada "Lia". Foi a primeira pessoa com nome tão pequeno que conheci. E até hoje sigo no instagram uma das responsáveis pela escola porque o sobrenome dela era "Marinho", que nem azul-marinho. 
Os nomes das minhas próprias colegas eram diferentes, tinha uma "Larydsa", e uma professora chamada "Tcheska", sem falar no "Cíntia", que me lembrava cinto.
Às vezes íamos a escola em frente, o mesmo colégio mas o bloco do ensino fundamental, e utilizávamos o ginásio. Quantas memórias... No dia do aniversário da escola eu não queria ir para o prédio (a única lembrança que tenho de ter entrado lá) e as professoras me fizeram ir prometendo que teria sacolinha, mas eu sabia que não teria e não teve, mas não deixei de cobrar por isso. No ginásio ensaiávamos as apresentações, até hoje toca na minha cabeça um grupo de vozes falando "xaxado, xaxado...", e me vem a imagem do lugar. (Acho que acabei de achar o vídeo dessa música). Lembro vagamente de marcações no chão para um dos ensaios, e também do dia em que entramos pela porta lateral que dava no quintal de uma casa, cheio de árvores como uma floresta. Foi num dos eventos nesse ginásio que vi o dito cujo menininho que eu gostava pela última vez. Vi ele de relance e depois não o achei mais. Sempre que ia lá via o prédio da escola ao lado.
Ainda no ginásio foi onde apresentei a chapeuzinho que já mencionei, mas também apresentamos a música do trenzinho da xuxa. Não lembro bem da apresentação em si mas sim de ir com minha mãe até a costureira para fazer minha roupinha de maquinista. Acho que ainda tenho a boina vermelha. 
Mas as melhores noites eram as de são joão, porque meu aniversário é em junho. Uma das vezes estavam fazendo a roda e a professora gritou "e viva santo antônio!" E todos disseram "VIVA!", ela falou "viva são joão", e todos "VIVA!" e ela arrematou com um "e viva madalena!!" A maioria ali provavelmente não entendeu o terceiro viva, mas eu sim, e adorei. Também lembro do meu pai reclamando com minha mãe sobre usarem porcos em um dos joguinhos. E lembro de mim, na arquibancada no colo da mãe, com muito sono e vendo uma estrela lá longe no céu brilhando e mudando de cor. Eu fiquei com medo por isso fechei os olhos.
Num desses eventos havia um cara bem estiloso, provavelmente músico, que usava roupa e esmalte preto. Meus amigos e eu tivemos medo dele, mas eu, corajosa desde sempre, fui até lá pra conhecê-lo e minha mãe até tirou uma foto. Acho legal porque na época as fotos eram com máquina e filme, e aquela é a única do dia que tem uma mancha amarelada, problema na foto ou na revelação, mas que preserva através dos anos a aura diferentona que o cara tinha pra gente. 
O mundo aos meus olhos de quatro anos não parecia incompreensível. Pelo contrário, embora não entendesse tudo eu sentia e via as coisas, tomava decisões e tinha pensamentos lógicos. Eu era consciente. É engraçado como vemos crianças e pensamos que elas simplesmente não se lembrarão dessa fase no futuro, ou que são meio bobinhas. Mas embora a gente expanda a compreensão com o passar do tempo, e também a expressão, criança vive, descobre e funciona. Eu lembro como tinha convicção de ser tal qual tenho hoje. Eu era eu, e vivia de acordo com o que eu queria. O que quero dizer com isso é que eu não vejo a Madalena de quatro anos como uma pessoa portadora de opiniões bobas, eu valido tudo que sentia naquela época, e mesmo com o discernimento de hoje, não acho que eu fosse de forma alguma uma pessoa ruim, logo, se pudesse voltar aquela época, provavelmente teria vivido de forma semelhante, embora provavelmente inúmeras situações que eu não lembro, não compreendia ou sequer percebia hoje eu entenderia. 
Não tenho certeza se a lembrança que tenho de um mimeógrafo é dessa escola ou da creche anterior a ela, mas acredito que seja dessa, lembro do cheiro forte da tinta e da professora girando a manivela para copiar as atividades numa tinta azul/roxa escura.
O mais engraçado é que muitas das memórias que aqui narrei vem a mim em terceira pessoa. Mas uma que vem em primeira pessoa sou eu sentada no banco da topique, na porta da escola, escutando mc léozinho. 
"Ela só pensa em beijar, beijar, beijar, beijar. E vem comigo dançar. Dançar, dançar, dançar."
Eu meio que me via na letra.
Gosto dessa música porque me lembra essa época, as anteriores e posteriores. Me lembra minha casa e minha vizinhança de forma atemporal. Inclusive estou ouvindo ela agora.
"Se ela dança eu danço, se ela dança eu danço. Falei com o dj!"
Não lembro muito da topique. Lembro que o motorista era negro e eu achava que ele era o pai do menino que eu gostava (só que o menino é meio que branco?) E também lembro do fatídico dia em que estávamos passando numa parte elevada da pista que dava vista para a locadora em frente a pracinha. Meu olho bateu na seção de filmes de terror e eu tive um dos meus primeiros medos realmente grandes. Passei a ter medo de lá. Era uma distância grande demais pra eu ter de fato identificado algo, inclusive posteriormente fui com minha mãe na tal seção e vi as capas dos filmes, nenhuma me meteu medo como o que eu vi de longe. Mistérios da vida. 
Outras músicas que tocavam, talvez no rádio da topique, talvez na rua, eram Festa no Apê, do Latino, que eu não entendia nada (e demorei a entender a letra e o significado do tal bundalelê, inclusive eu ouvia "tem siri até amanhecer"), Tremendo Vacilão, da Perlla, e Cachorrinho, da Kelly Key. 
Por hoje é isso. 

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