sábado, 31 de julho de 2021

Uma história de peitos.

Quando tinha dez anos eu descobri que tinha peitos. Estava me olhando no espelho, de farda, e vendo como os bicos dos meus peitos eram visíveis através do tecido, e que visão estranha formavam. 

Revoltei-me com minha mãe por nunca ter me contado essa verdade óbvia, não lembro se foi espontâneo ou se algo aconteceu na escola pra me fazer atinar, mas agora era real, junto com o corrimento e as conversas sórdidas no recreio, eu tinha peitos. 

Mas eu não sexualizava meus peitos, nesse dia ou antes, e ainda não o faria por um tempo. A vontade de escondê-los vinha do fato de serem uma área privada, e, embora eu andasse feliz de calcinha no meio da casa, não me parecia apropriado expor tais partes ao público. 

Certa vez recebemos a visita do guarda da sucam e eu estava com minha farda de menina mimada e isolada. Quando percebi a chegada de um homem estranho corri para me esconder atrás da porta. Imagine meu desespero ao perceber que o papel da fiscalização estava colado meio metro acima da minha cabeça.

Nessa época, acho, comecei a usar tops, e em breve usava sutiãs. Futuramente tive um sutiã que deixava meu peito meio pontudo, e por isso só usava em casa, um dia esqueci de trocar e fui a aula com ele, fiquei triste pois percebi o fato minutos antes de entrar na escola. E ainda lembro da surpresa das minhas professoras quando, meses depois, apareci de bojo na aula. 

No entanto, a lembrança que mais me marcou em relação aos meus peitos na escola foi no dia da foto. O fotógrafo tinha um catálogo de estilos para escolhermos, e um deles era uma bela menina enrolada num tecido felpudo com os ombros nus a mostra. Todas queríamos posar daquela forma, mas as outras meninas desistiram quando souberam que precisávamos tirar a blusa e vestir um topzinho. Eu, honrando a tradição de coragem que estabeleci pra mim mesma, fui em frente e coloquei aquele pedacinho de tecido, que sabe deus quantas meninas já usaram. A foto ficou linda, mas junto com ela registrei a lembrança das minhas colegas rindo e apontado para as duas pontas que saiam do meu busto por baixo do topzinho. 

Minha mãe, à epoca, me disse que meus peitos eram pontudos porque estavam se desenvolvendo, e que uma aureola grande indicava que eles seriam grandes também. Com treze anos ter peitos grandes parecia algo bom, então eu aguardava meus cones virarem duas esferas. E que bom que isso nunca aconteceu. 

A primeira vez em que mostrei meus peitos pra alguém, num contexto sexual, eles me pareciam bem, apoiados na blusa. Se sentia vergonha era do conjunto da obra, da exposição, e não de uma parte específica do corpo. 

Mas apesar de uma dose de excitação e outra de confiança contornarem as inseguranças no momento oportuno, eu ainda tinha neuras no dia a dia. Porque existe flacidez? Porque consigo segurar um lápis embaixo do peito sendo tão jovem? Porque um é maior que o outro? Eles nunca vão acompanhar a aureola? Não era pra ser redondo? Cadê o bico? Porque tem textura? Porque é tão insensível?

E entender que a resposta pra isso era um "tudo bem" foi um processo. Que meu peito era tão normal como qualquer outro. É bem verdade que a mamografia ajudou a fortalecer essa ideia, e ver peitos reais ajudou mais ainda, e largar a pornografia ajudou muitíssimo mais, nisso e mais num zilhão de coisas. 

Mas apesar de achar meu peito ok, de vez em quando ainda fico encarando ele e pensando se seria melhor tirar. Dizem que as amazonas cortavam o peito pra atirar melhor, e certamente ter duas massas de carne balançando no seu busto incomoda em várias situações, pra dormir de bruços, por exemplo. Mas tirar os seios tem implicaçōes semelhantes as de tirar o útero. Será que afeta os hormônios? E pra amamentar? Considerando que (ainda) não exclui totalmente a possibilidade da minha vida, quem sabe? 

Além disso, ter peitos ajuda, com certos tecidos, a disfarçar a barriga, que de outro modo se destaca na silhueta. E precisaria de outro post pra falar da minha barriga.

Entretanto a ausência de peitos, embora não muito atraente, valoriza a androginia. E meu gosto estético sempre foi parecer um homem que se parece com uma mulher. Apesar de ter padrões absurdamente flexíveis de atração, é quase certo que uma pessoa com essa aparência me atraia, e portanto, é algo que eu queria pra mim também. 

Mas quando se é mulher com jeito de criança e sem muito senso ou expressão de estilo, fica complicado alcançar esse padrão. Por isso sou muito mais madalena do que homem que se parece com mulher, e não posso reclamar dos resultados. 

Assim como demorei a sexualizar meus peitos, também demorei a fazê-lo com os alheios. Eventualmente, quando percebi que queria ficar com mulheres também, comecei a sexualizar os peitos alheios. Não pra mim, não por achar interessante, mas porque acreditava que seria capaz de dar prazer através deles. Engraçado, meu namorado sente agonia quando algo encosta no mamilo dele, e eu também. Quem pode me garantir que as outras pessoas realmente sentem prazer no peito, ao invés de agonia? 

No começo da década eu descobri que tinha peitos e precisava usar sutiã. No fim, eu descobri que meus peitos eram normais e não precisava prender eles, e que era muito mais confortável assim. 

Bico de peito, marca de bico, sexualização, peito de homem e peito de mulher, amamentar na rua, topless. Um sábio uma vez disse "mamilos são polêmicos". E Roberto Carlos falou que "broto tem que usar monoquini, não suporto mais o biquini". Para me juntar ao roll de pensadores de peito, reflito. Escrevo esse texto e sigo: de peito aberto. 


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